Irmandade do Espírito Santo
A Festa do Espírito Santo é uma manifestação sócio religiosa, celebrada na comunidade de São Mateus do Pico, nos Açores, marcada pela fé, pelas promessas traduzidas em atos rituais, sendo o principal a Coroação do Mordomo e visando a partilha da carne e do pão num gesto solidário e de comunhão fraternal.
O Espírito Santo celebra-se na comunidade paroquial de São Mateus, no domingo de Pentecostes, sete semanas após a Páscoa.
No Domingo de Pentecostes, como é tradição, no almoço que, normalmente, congrega à volta de 500 pessoas (irmãos e familiares), é eleito pelos irmãos, por voto secreto, o Mordomo ou Imperador para o ano seguinte. O novo Mordomo eleito reúne uma equipa, com cargos bem definidos que atinge à volta de 50 elementos, residentes na comunidade. Na passagem de testemunho, o Mordomo cessante entrega as contas e a lista atualizada dos bens patrimoniais.
A Irmandade do Espírito Santo de São Mateus conta, neste momento, com cerca de 175 irmãos que, obrigatoriamente, dão uma “conta” de pão, ou seja, levam um açafate com rosquilhas que são distribuídas por todos os que passam na freguesia no Domingo do Espírito Santo. Podem também fazê-lo entregando uma verba aproximada ao custo do açafate (70€).
De entre os irmãos, realce para os que confecionam as apetecidas sopas, bem como a carne assada e o arroz-doce. São homens e mulheres que acumulam muitos anos de experiência, são mestres na arte e, transmitem, o saber aos mais novos. É uma ementa secular que se mantém incólume até aos nossos dias.
A Festa do Espírito Santo é, sem qualquer dúvida, o maior ato sociocultural dos açorianos e, no caso concreto da freguesia de São Mateus, toca todas as pessoas da comunidade. Ninguém fica indiferente a uma Festa do Espírito Santo.
Uma das formas mais interessantes de transmitir esta tradição aos vindouros é a realização na escola do ensino básico da freguesia, de uma celebração do Espírito Santo englobando todas as crianças, auxiliares e professores.
A Irmandade do Espírito Santo de São Mateus do Pico é uma expressão ativa de uma identidade peculiar.
A devoção ao Espírito Santo, bem arreigada nos povoadores, alentou e prosperou numa terra madrasta, severamente castigada por temporais, sacudida por sismos, devorada por torrentes de lava, naturalmente pobre.
Daí a súplica de proteção ao Divino, a promessa e a gratidão pela solidariedade e partilha do pão e da carne, bens preciosos que a devoção dos crentes distribuía por todos.
Dentro da freguesia de São Mateus do Pico, o sentido de pertença a um lugar ou a um grupo materializa-se no perfil da Capela do Espírito Santo, na pessoa do Mordomo ou Imperador/Imperatriz eleitos no ano transato, na Coroa e seus Símbolos, nas especificidades da Festividade e até no dia escolhido para a realização da mesma (após sete domingos a contar do domingo de Páscoa).
Sempre em crescendo, as Festas em honra do Divino Espírito Santo, com alguns dos seus momentos simbólicos, como as procissões, o cantar do terço, as Coroações, o almoço de sopas, os arraiais e a distribuição de pão, transcendem a freguesia de São Mateus, a ilha do Pico e os Açores, decorrendo em qualquer comunidade onde exista um açoriano, como por exemplo o Brasil, os Estados Unidos, o Canadá, e outros países.
A pobreza de outrora deu lugar ao convívio, à celebração partilhada e à dádiva.
É impressionante a partilha dos mesmos valores, a simbologia vivida à distância de séculos.
É sobre a égide do Espírito Santo que os Açores celebram o seu dia maior, o dia da Região Autónoma.
Tais práticas de solidariedade e partilha em Irmandade, em relação com o Divino Espírito Santo, merecem ser alvo de estudo, inventariação e salvaguarda.
Trata-se da expressão máxima do património cultural imaterial dos Açores, a mais importante marca cultural açoriana, que muitos pretendem candidatar a Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
Como já foi referido, a Festa em honra do Espírito Santo envolve toda a população da freguesia, bem como alguns ausentes que mantêm viva a chama da devoção à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
Preparação da Festa do Espírito Santo
A Irmandade possui o seu Império próprio com traça arquitetónica tradicional onde são depositadas as Insígnias: Coroa, Cetro, Estandarte, Varas, fitas, emblemas. Faz parte do seu património uma casa de arrumos com mesas, bancos, louças, talheres, aventais e gravatas. Possui ainda uma cozinha ampla e bem apetrechada que permite a cozedura da carne, a confeção da carne assada e do arroz-doce, conhecido popularmente por doce dos pobres.
Estes bens são cedidos a todos os que, durante o ano, cumprem as suas promessas ou, generosamente, gostam de partilhar o bem-estar em que vivem.
A primeira preocupação do Mordomo e da sua equipa consiste em “arrolar o pão”: percorrer a freguesia e perguntar em todas as casas se dão ou não pão (rosquilhas) ou se cumprem a sua obrigação de irmão com dinheiro. Contas feitas, todos procuram ficar tranquilos sem o embaraço que aconteceria se alguém passasse e não levasse uma rosquilha, lembrança, relíquia ou “arrelique”, na voz simples do povo.
No domingo anterior à Festa do Espírito Santo (Dia de Pentecostes), as Insígnias do Espírito Santo saem do Império para a casa do Mordomo.
Durante a semana, na casa do Mordomo ou Imperador/Imperatriz, vizinhos e amigos juntam-se para cantar o terço em louvor do Espírito Santo, bem como as preces tradicionais. A Coroa com o Cetro fica depositada em altar próprio, ornamentado com flores vermelhas e brancas. O Estandarte vermelho, encimado com a pomba branca é, normalmente, posto em saliência numa das janelas da casa para assinalar que aquela é a casa do Mordomo ou Imperador. Também o portão é enfeitado com um arco de verdura para solenizar a entrada das Insígnias.
No fim do terço o Cetro é beijado por todos os presentes e há sempre um brinde com a massa “sovada” e vinho típico da freguesia.
De realçar que um foguete assinala o início do Terço e foguetes, em profusão, assinalam os momentos mais solenes da Festa sobretudo, o início da distribuição do pão.